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Resgate no Ex-Libris

Início e fim: Covão D'Ametade

 

Dificuldade: Muito alta

 

Tempo: 8h00

 

Altitude: + baixo 1420mts – Vale da Candieira

               + alto: 1877mts – A chegar ao Fragão do Poio dos Cães

 
 

O acesso ao mapa detalhado do percurso pode ser feito aqui.

Trata-se de um flyer feito pelo meu amigo Manuel Franco para a Região de Turismo. Considero um magnífico trabalho. Muito informativo, com uma escolha de trilhos e paisagens que nos deixam atónitos com a beleza desta magnífica serra.

 

 

Prólogo

 

Por muito experientes que sejamos em caminhadas, por muito que conheçamos a serra, há erros que se podem pagar muito caro.

 

Quando caminhamos com grupos de clientes fazemo-lo em trilhos já reconhecidos e com toda a segurança.

 

Mas, por vezes, quando queremos ir mais além e enfrentar novos desafios, não devemos fazê-lo sózinhos. Não podemos facilitar.

 

Já passaram alguns anos desde a esta aventura e sinto-me agora pronto para partilhar esta inolvidável experiência.

 

Vou omitir os nomes dos militares da GNR envolvidos pois não falei com eles sobre esta publicação. Mas caso o permitam, alterarei de imediato este relato para os incluir.

 

O que vou contar aconteceu no dia 15 de Agosto de 2010 e, graças à prontidão, desempenho e profissionalismo do Grupo de Montanha da GNR fui resgatado em segurança na Serra da Estrela. Quem diria...

 

 

Porquê

 

Porquê subir uma montanha? Recordando a famosa resposta de George Mallory: "Bem, porque está lá!"

 

Conheci este trilho (Ex-Libris) ainda em proposta de trabalho do meu amigo Manuel Franco.

 

Achei desde logo uma fabulosa escolha de trajecto, com paisagens de cortar a respiração. Também achei que seria muito exigente e dado que era destinado a turistas, o trilho sofreu "algumas" alterações para que se podessem apenas fazer parte do percurso de acordo com a opção dos caminhantes. Achei a idéia muito boa.

 

Passado algum tempo, meti na cabeça que queria fazer este trilho, tal como o Manuel o tinha pensado. Embora já conhecesse todo o percurso, achei interessante seguir esta proposta.

 

Peguei no folheto, meti-me dentro do carro e dirigi-me até ao Covão D'Ametade e, sózinho,  iniciei a minha caminhada.

 

 

 

 

Erros e Causas

 

Naquele dia houveram coisas que correram mal. Já as identifiquei. E reconheço-as:

- Levei água a contar apenas com o tempo de percurso sem pensar em possíveis contratempos;

- Fiz o percurso sózinho, embora tenha deixado o trajecto previsto e o contacto de pessoas que conhecem bem a serra entregue a quem me poderia valer caso algo corresse mal;

- A enorme confusão de marcações de trilhos que existe actualmente na serra.

 

 

O percurso

 

Parti do Covão D’Ametade pelas 09h00 esperando regressar pelas 15h30-16h00.

O trilho inicia-se com uma subida muito íngreme até ao Covão Cimeiro, local lindíssimo.

 

 

Ao chegar aqui, foi tempo de "respirar" este ar serrano e recuperar daquela subida que a fiz talvez depressa demais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lindo, não é?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lagoa da Paixão

 

Sim, eu sei, que há quem lhe chame Lagoa do Peixão. Mas para mim, continuo a achar que foi uma gralha nessa carta militar (223).

 

Para quem conhece este local, podemos observar do lado esquerdo, quase no topo, o Fragão do Poio dos Cães.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Vale da Candieira

 

Sensivelmente à nossa frente, no ponto mais alto do outro lado do vale fica o "Piornal", ponto muito importante neste relato, e que falaremos mais à frente...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Lagoa dos Passarinhos

 

 A verdade é que não faço idéia como se chama esta lagoa. Nas cartas militares não é indicado nenhum nome e foi-me dito que era conhecida como "Lagoa dos Passarinhos". Para mim ficou com esse nome.

 

Adoro este local.

 

No verão, com muito calor, gosto de me descalçar e colocar os pés dentro de água.

 

E fico-me apenas pelos pés, pois mesmo em Agosto a água é muito fria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lagoa sem nome

 

Pelo menos para mim :-)

Fica do "lado de baixo" da Lagoa dos Passarinhos e não faço idéia se tem algum nome.

 

À nossa frente, do outro lado da lagoa podemos observar o incrível Fragão do Poio dos Cães.

 

Nesta altura, embora o trilho indicasse um trajecto mais directo até ao Fragão, resolvi subir e fazer um trilho alternativo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lagoa junto ao Fragão do Poio dos Cães

 

Foi aqui que parei para "almoçar": uma sandes e uma maçã. Estava mesmo muito calor.

 

Sentei-me junto à água, aproveitando a sombra da parede de rocha à minha esquerda.

 

Nesta altura estava a ficar com pouca água.

 

E não me apercebi ou então não liguei e achei que a que tinha chegava. Estava errado...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Começam a haver marcações a mais na serra. Não digo que sejam demasiados trilhos, mas cada instituição que vem marcar trilhos sobrepõe aos que já existem e começa a tornar-se um pouco confuso para que não conheça a serra e dependa inteiramente destas marcações.

 

Que falta faz um organismo que regulasse e gerisse todas as marcações no PNSE, independentemente do concelho a que pertençam.

 

Encontro muitos caminhantes na serra completamente perdidos e confusos com o rumo a tomar vendo tanta informação paralela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na Nave da Mestra

 

Começou aqui o calvário.

 

Saí daqui já muito cansado e algo desidratado, embora não me apercebesse. A subida que seguiu até ao "Piornal" foi muito, muito desgastante.

 

Relembro que este dia 15 de Agosto de 2010 foi extremamente quente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cheguei ao Piornal e "tentei" encontrar as marcas que me levariam até ao Vale da Candieira.

 

Não encontrei.

 

Extremamente cansado e já desidratado, o cérebro começou a tomar decisões nem sempre as mais adequadas.

 

Uma delas, foi este erro tremendo de tentar descer ao Vale da Candieira por este lado, indo em direcção ao início do vale. Onde me fui meter...

 

Quando dei por mim, já bem lá embaixo, estava envolto em giestas maiores do que eu. Olhei para cima e pensei que já não tinha forças para voltar a subir. Então continuei para baixo.

Sem ver nada, no meio das giestas, fui ter ao início da ribeira, a qual, nesta altura do ano, tinha a água estagnada. Nem pensar em beber daquela água.

Continuei, por dentro da ribeira seca, mas com algumas poças de "água") até ao meio do vale.

 

 

 

Esta foi a minha última foto. Não consegui tirar mais fotos, nem tive discernimento para tal.

 

Estava exausto.

 

Cheguei ao ponto em que se atravessa a ribeira da Candieira e foi aí que bebi bebi água da ribeira, o que me deu mais algumas forças para continuar. Sentei-me um pouco e tentei recuperar. Mas já não havia nada a fazer.

 

Faltava “apenas” o regresso ao Covão D’Ametade. O flyer que trazia, indicava que tinha duas opções; pela Lagoa das Cântaros, ou rodeando a montanha pelo lado do vale glaciar de Manteigas, evitando assim mais subidas e descidas.

 

Optei pela segunda hipótese, pois nunca tinha passado naquela zona. Optei mal.

 

A confusão de trilhos novos junto a trilhos velhos foi de tal ordem, que, andei muito baralhado naquela zona.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Vista para o Poio do Judeu, na subida para o Covão Cimeiro.

 Cântaro Magro em frente. Em cima à esquerda, temos o Cântaro Raso.

O majestoso Covão Cimeiro, onde nasce o rio Zêzere (bom, sei que não é informação consensual...)

Vista para um "pedacinho" da Lagoa dos Cântaros. Logo a seguir, o enorme Vale da Candieira.

Passando pelo Cântaro Gordo

Lindo, não é?

O Vale da Candieira.

 Lagoa dos Passarinhos.

 Lagoa sem nome...

Lagoa da Paixão.

Covão D'Ametade - Vista para o Cântaro Magro (Ponto de partida)

Descendo para a zona do Fragão do Poio dos Cães.

 Lagoa junto ao Fragão do Poio dos Cães.

 Passando perto do "Cume".

 Seguindo em direcção à Nave do Gaimão.

 Placas indicativas de Trilhos - Nave da Mestra.

Na Nave da Mestra.

 Logo a seguir ao Piornal.

 No Vale da Candieira.

Estava extenuado. Sem água. Completamente desidratado. Andava 10 a 15 metros e caía no chão. Ofegante. Ficava algum tempo deitado, sempre com vontade de dormir.

 

Combatia esse desejo de relaxar e levantava-me para andar mais 10 metros e voltar a deitar-me no chão. Houve alturas em que fechei os olhos e dormi 5-10 minutos.

Tive ainda forças fazer uma subida "em frente" pelas lajes, pois já não pensava direito.

 

Comecei então a ter cãimbras nas duas pernas que me davam imensas dores e me impossibilitavam de andar. Foi então que percebi que não conseguia sair dali sozinho. Estava sobre o vale de Manteigas, na direcção da Fonte Paulo Luís Martins. Penso que seriam cerca de 17h30, embora não me recorde com exactidão.

 

 

Foi então que decidi ligar para o 112.

 

Fui atendido por uma senhora a quem eu expliquei o que me tinha acontecido e pedi-lhe para me passar ao Grupo de Montanha da GNR, na Covilhã.

 

Ao que ela me disse não o poder fazer, mas que me iria enviar o INEM.

 

Disse-lhe que o INEM não me podia ajudar e de quem eu precisava era do Grupo de Montanha e que, se ela não me podia passar a chamada, que me informasse o nº de telefone para eu poder ligar.

 

Disse-me que não estava autorizada a fazê-lo e que apenas me podia dar o contacto do Comando Distrital. Perguntou-me então se, a Serra da Estrela pertencia ao distrito de Leiria… (nem comento).

 

Disse-lhe que não e ela então deu-me o nº de telefone da GNR de Castelo Branco.

 

Liguei e fui muito bem atendido por um militar que me aconselhou calma, que tudo se iria resolver. Pedi-lhe o nº de telefone do Grupo de Montanha, e ele deu-me um nº de telemóvel.

 

Agradeci e liguei então para esse nº, do qual ninguém atendeu (vim a saber mais tarde que era um nº atribuído à Manutenção…). E a saga continuava.

 

Voltei a ligar para Castelo Branco e, depois de contacto via rádio com a GNR Covilhã, deram-me outro número.

 

Liguei, e desta vez consegui falar com o Grupo de Montanha.

 

 

Fui extremamente bem atendido. Aconselharam-me calma e que já iriam já ter comigo. Perguntaram-me se eu estava ferido, se tinha algum outro problema.

 

Disse-lhes que apenas estava exausto e com muita sede (neste momento, a secura na minha boca era de tal ordem, que já me custava falar, pois a garganta arranhava).

 

Fomos falando e eu expliquei onde estava. Dei a minha exacta localização (no vale glaciar de Manteigas na encosta oposta à Fonte Paulo Luís Martins, um pouco mais acima). O militar com quem falava perguntava insistentemente se tinha a certeza (poderia estar a fazer confusão com o local), ao que eu respondia que sabia muito bem onde estava. Já não tinha era forças para sair sózinho dali.

 

Passado algum tempo, o jipe do Grupo de Montanha foi até à referida fonte, de onde me conseguiram avistar (levantei-me e ergui o meu bastão com o meu chapéu no topo e sinalizei)..

 

Fui sendo sempre acompanhado telefonicamente pelos militares. Quer os 2 militares que foram até mim, como os dois militares de apoio na estrada.

 

A opção escolhida para chegarem até mim foi a mais correcta e demonstra bem o excelente conhecimento que têm do terreno.

 

A rapidez com que me alcançaram evidencia uma excelente condição física e atlética.

 

A opção de sairmos até ao fundo do vale e trazer os jipes até esse local revelou-se a mais eficaz. Consegui sair pelo meu pé.

 

Desta forma, desde o momento em que me alcançaram e me entregaram água (muita água…), conversaram comigo e me apoiaram, percebi logo que estava em boas mãos.

 

Até me trouxeram um agasalho, caso eu estivesse a ficar com frio, pois na zona onde me encontrava já não chegava a luz do sol.

Para se perceber o meu estado de desidratação: quando chegaram junto a mim, entregaram-me uma garrafa de água de 1,5lt de água. Fui bebendo calmamente enquanto falávamos. Bebi-a todo e... mais uma. Ao chegar ao meu carro, e enquanto se fazia a participação da ocorrência, bebi mais outra... Que estado o meu.

 

Depois de eu me recuperar o suficiente para caminhar, descemos até ao vale e levaram-me de jipe até ao meu carro, estacionado junto ao Covão D’Ametade.

 

 

 

Epílogo

 

Espero que este meu relato alerte as pessoas para a necessidade de um bom planeamento e logística quando se aventuram na serra. E, não o façam sozinhos.

 

Não posso deixar de referir dois últimos pontos:

 

O atendimento através do 112 revelou-se desastroso. Más informações, falta total de conhecimentos básicos necessários.

Mas o que mais me inquieta é a questão da recusa em dar informações ou passar a chamada. O que teria acontecido, se eu não tivesse saldo no meu telefone? O que faria? Iria o INEM ter comigo no meio das montanhas?

Notei uma total descoordenação entre as diversas entidades. Mas porque o atendimento do 112 não passou a chamada ao Grupo de Montanha, ou pelo menos à GNR da Covilhã? Porque se recusou a dar-me esse nº de telefone, apenas me facultando o do Comando Distrital? Porquê perder tanto tempo?

E se estivesse a nevar? E se fosse inverno, com temperaturas a descer vertiginosamente ao final do dia? Quaisquer 10 minutos de luz podem fazer muita diferença.

 

 

A actuação do Grupo de Montanha da GNR, por seu lado, foi a todos os níveis absolutamente fantástica. Todos os militares foram inexcedíveis no seu empenho. Na sua missão.

O acompanhamento que me foi feito pelo telefone, alimentando a minha auto-estima e motivando-me.

O conhecimento técnico do terreno e o discernimento necessários para tomarem as opções mais aconselhadas para chegarem até mim, preparando o regresso.

A excelente condição física que possibilitou chegarem até mim muito rapidamente, providenciando o que mais me fazia falta na altura – água.

O apoio dos militares na estrada e a excelente coordenação entre toda a equipa.

 

Faço votos para que o Grupo de Montanha da GNR continue a sua mui nobre missão, tão importante e tão essencial na segurança de todos aqueles que adoram esta serra e por ela caminham e que, por razões várias – nem sempre sua culpa – às vezes se encontram em situações difíceis, muitas vezes com a sua integridade física em perigo.

Que possam dedicar-se ao conhecimento da Serra e das técnicas necessárias ao resgate.

 

A eles, a minha eterna gratidão.

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